Carta à sua natureza
- Rafaela Chor
- 25 de abr.
- 3 min de leitura
Teu olhar atento me faz perceber o que venho perdendo do mundo. Me faz enxergar a poesia escondida em cada dobra de esquina, cada poeira escondida nas prateleiras com seus livros favoritos e na mudança de cor dos semáforos nas ruas agitadas.
Você tem o poder de me entreter com qualquer sombra na rua, com qualquer gota d’água que cai do céu e com todas as frases clichês que as pessoas estampam em tapetes nas portas de entrada de suas casas.
Parece fácil ter um sentimento profundo por você, mas, na verdade, tem sido cada vez mais difícil segurar para que eu não mergulhe de cabeça e tenha ainda mais chances de estragar algo que poderia se tornar tão precioso.
Essa é a primeira vez que te escrevo. Agora, estou naquelas horas sagradas entre o jantar e o café da manhã, em que me encontro concentrada em meus pensamentos para poder tecer algumas frases.
Você está provavelmente deitada tentando pegar no sono assistindo alguma série de ficção. Toda vez que tento balbuciar uma palavra sobre o que tem estado em minha mente, eu tropeço em meus próprios cadarços e desisto de emitir som algum.
Por isso te escrevo. Porque aqui não há como tropeçar ou me sabotar, são palavras digitadas em frente a uma tela, já que minha letra nunca foi das melhores para escrever cartas à mão. Assim que eu te entregar essa carta, pode ter certeza de que provavelmente estarei em um estado de pura ansiedade.
Saber se você sente ou não o mesmo que eu, é desesperador. Você sempre me passou a sensação de ser uma pessoa fora da normalidade. Digo isso com a boca cheia e com todo o carinho do mundo.
Você vê o mundo com cores que só você enxerga, me faz rir a ponto de cuspir o refrigerante ao falar besteiras que só poderiam sair dos seus lábios e, com a sua sensibilidade extremamente aguçada, me consola em relação aos problemas da vida. Isso tudo te faz extraordinária, meu bem.
A vida parece muito mais leve com você por perto e saiba que isso se tornou cada dia mais difícil de acontecer depois que passei dos vinte e poucos.
Às vezes eu tenho saudade dos vinte e poucos. Das festas, dos amores corriqueiros e das irresponsabilidades. Mas eu não teria você, e essa é uma realidade na qual eu não me vejo mais. Nada se encaixaria.
Tudo o que você sente eu tenho sentido também. É aquela tal de empatia que toma conta da gente quando menos esperamos. É uma rasteira que nos faz cair ao lado da pessoa que está em queda.
Mas fique tranquila, meu bem, eu pratiquei o ato de me levantar diversas vezes, e se eu caio com você, é para poder te olhar nos olhos e dizer que tudo ficará bem. Que estou ao seu lado e que não pretendo ir a lugar algum.
Ultimamente você anda querendo encontrar flores. Sentir o cheiro do néctar mesmo que ataque sua alergia. Você tem precisado de natureza e eu sei o lugar perfeito para você encontrá-la, um lugar que você nunca buscou antes.
Basta você olhar para seus braços. Veja as suas veias, meu bem, elas transportam sua seiva. Tudo o que você precisa está aí e eu sempre te disse isso. Demorei anos para entender que a natureza que eu buscava também estava dentro do meu envoltório.
É natureza pele, natureza olhos, natureza cóccix, natureza dedos, natureza o frio na barriga que toma conta de mim quando te olho. Quando te beijo com o pensamento. É natureza o encontro. Natureza o entrelaçar de dedos, de risos. Você faz brotar de mim flores das quais eu nunca tive conhecimento.
O natural é composto pelo que é cru. Por isso me encontro nua nesta carta, sem amarras, sem máscaras para me esconder o rosto. A natureza é composta pelo amor.
E não há nada mais natural do que o encontrar de almas e lábios entre duas mulheres.

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