Ensaio sobre a saudade
- Rafaela Chor
- 21 de fev. de 2022
- 3 min de leitura
Eu venho descrever a saudade numa tentativa desenfreada de combinar letras e sílabas na expectativa de fazer algo soar como esta palavra intraduzível.
Eu vejo a saudade como o glitter que nos acompanha meses após o carnaval, como aquela caneta que estoura dentro do estojo deixa a sua marca permanente te lembrando de quando ela finalmente entrou em erupção.
A saudade é quando você lava a louça de mangas compridas e percebe que a água já adentrou a blusa quase até a região das axilas. E você sabe que elas não vão secar tão cedo.
A saudade se alastra facilmente e eu acredito que possa ser até contagiosa, pois uma saudade bem descrita, faz com que outras pessoas a sintam mesmo sem conhecer as personagens.
A saudade é sorrateira e ela não se restringe apenas a pessoas, ela pode se impregnar em lugares, objetos e momentos inteiros.
Porém, a minha saudade tem nome e sobrenome, ela é como a terra que se faz de abrigo para as sementes brotarem e, assim, surgirem mais momentos de saudade. Você quase pode dizer que a saudade se dissipa por osmose, de tão contagiosa que ela se mostra ser.
Mas não ouso dizer que ela se dissipa feito vírus ou doenças contagiosas, pois, para mim, a saudade não pode ser ruim, a saudade não tem a intenção de machucar, embora ela doa como uma ferida exposta com o toque daquele antigo merthiolate.
A saudade devora a pele, os órgãos, os sentidos. Ela faz com que você perca a noção de tempo e espaço por alguns segundos, minutos, horas e, atrevo-me dizer, anos.
Não sinta raiva da saudade, ela em si não tem propósito algum de fazer alguém sangrar. Ressignificar a saudade é o segredo para conseguir andar de mãos dadas lado a lado dela.
Dar outro significado para o que te dilacera o peito é a melhor solução para aqueles que pretendem continuar a vida, continuar em busca de sorrisos e momentos de felicidade.
A felicidade, para uns, é difícil de ser conquistada, e que a saudade nunca seja o motivo para que isso aconteça.
A felicidade inclusive está diretamente ligada a ela, porém existem diversos espectros os quais ainda precisamos compreender. É como um caleidoscópio que faz com que uma imagem mude de forma a cada vez que você tentar fazer com que ela faça algum sentido.
A saudade dança carinhosamente com ela e, as duas, num baile, decidem nos presentear com uma enxurrada de memórias que jamais serão apagadas da nossa mente. E esse misto eterno de sensações nos tornam cada dia mais humanos.
E tudo bem se sentir humano, ninguém aqui veio com o intuito de ser máquina, livre de sentimentos, livre da dor, do peito que queima, livre de tudo o que faz com que a vida tenha a mínima graça.
Todo mundo sente dor. Todo mundo derrama lágrimas, seja de amor, tristeza, alívio ou desespero. Você é composta por carne e osso assim como eu, como seu melhor amigo, sua família, sua escola inteira e todo o pessoal com quem você trabalha.
Você é composto por sensações e, evitá-las, só te faria menos humano. E, no final das contas, não são elas que realmente fazem a vida valer a pena?
Nós somos compostos por saudade, por amor e pela dor que, inevitavelmente nos acompanha. Admitir isso, requer uma coragem que nem todos têm o privilégio de lidar.
Proponho então que sejamos corajosas a fim de ressignificar sentimentos, procurando sempre uma vida mais leve e mais humana.
Afinal, a sua saudade não gostaria de te ver tomar um gole de coragem agora?

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